SIENA, a pérola da Toscana
Il Pálio, das mais
fantásticas festas internacionais
(Carlos Casaes e Carla
Maria)
Em 1967, eu
e TEREZA encontrávamo-nos envoltos numa questão extremamente preocupante, que
foi a dúvida levantada pela médica que fizera o seu primeiro parto – do qual,
infelizmente, nosso primeiro filho não resistiu – que ela necessitava de uma
cirurgia, após o que não mais poderia conceber. Havíamos casado no ano
anterior. A questão não teve, no entanto, diagnóstico igual, na opinião de
outros ginecologistas. Em meio àquela extrema preocupação, tivemos a sorte de
receber do Governo da Itália um convite, agregado a uma “bolsa de estudos” – através da Sociedade Dante Alighieri aqui da
Bahia – para realizarmos um curso de férias, na Scuola Per Stranieri della Universidad degli Studi em SIENA,
na região da Toscana.
Com muito
equilíbrio, decidimos dar um tempo que nos permitisse esfriar a cabeça e
refletir. Aceitamos, lógico, o convite e fomos vivenciar a Itália, através da
sua encantadora Siena, onde estivemos durante os noventa dias dos meses de
julho, agosto e setembro. Foi, então, uma excepcional oportunidade em que
pudemos vivenciar não apenas aquela fantástica cidade mas toda a região da
Toscana, onde se encontra. Bem assim aproveitar os fins-de-semana para circular
pelas diversas regiões italianas. E, o que foi extremamente importante,
assistir e vivenciar uma das festas internacionais mais expressivas que é Il
Pálio. É precisamente sobre SIENA e sobre o Pálio que vamos discorrer
aqui.
Alguns anos
após, tive a alegria de poder retornar à mesma e bela SIENA, naquela feita com,
além de TEREZA, a filha HELGA.
SIENA, um muito
especial patrimônio mundial
SIENA é festejada mundo afora pelo seu
monumental patrimônio artístico, como também, da mesma sorte, pela natural
unidade estilística no seu portentoso centro histórico, que é classificado pela
UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Ainda tem a seu favor o fato de ter sido
a cidade em que o extraordinário artista renascentista Balda SS Arc Peruzzi nasceu. Vamos encontrar na mitologia romana a
informação de que SIENA teria sido fundada pelos irmãos Arcanio e Sénio, que
teriam sido filhos de Remo. Como
curiosidade, o fato de que estátuas e muitas outras obras de arte exibem em
Roma os dois irmãos (Rômulo e Remo), cuja curiosidade histórica é
terem sido amamentados pela “loba”.
Um pormenor
muito interessante é que é a sede do mais antigo estabelecimento bancário do mundo, o Monte del Paschi di Siena
Na
realidade, em suas origens, SIENA constituiu um povoamento
etrusco mas posteriormente transportou-se para se representar apenas como uma
colônia romana. Oportunidade em que foi refundada pelo imperador ANGUSTO. No
entanto, à época, constituía tão só uma pequena povoação, que se postava, em
verdade, distante das rotas principais do império. Mas foi adiante, no século V,
que se tornou sede de uma pequena comunidade cristã. No entanto, as suas
antigas famílias aristocratas contestam, afirmando de que as suas origens são
entre os Lombardos, precisamente quando a Lombardia era submissa a Carlos
Magno.
Consta
também de que teve início no século XII a sua grande influência por se
constituir um especial polo cultural, artístico e político. E foi precisamente
quando se converteu num burgo autogovernado por um sistema de cariz
republicano. Na condição de República de
Siena. Oportunidade em que substituiu o esquema feudal.
Um patrimônio histórico
conservado
Um espaço muito especial que remonta a toda a história de SIENA é a Fortezza Medicea, também conhecida como Forte de Santa Bárbara que, apesar de ser um forte militar do século XVI, foi construído sobre estruturas anteriores e a sua história está ligada aos conflitos medievais da região. Bem assim, um outro elemento histórico da sua estrutura é que SIENA ainda conserva, também, muitos vestígios da antiga muralha que a cercava. Ocorre, por sinal, de que a maior parte das fortificações medievais são mantidas de maneira intacta. Veja-se que o percurso completo daquelas muralhas ocupa em torno de 7 quilômetros de extensão.
A par delas,
outras cidades como MONTERIGGIONI,
VOLTERRA e GREVE IN CHIANTI, pelas mesmas razões, proporcionam um vislumbre
que exalta a rica história da região, com diversos vilarejos bem conservados,
ao lado de inúmeras fortificações medievais, como também os seus centros
históricos encantadores.
Então rivalizando com
Florença
São, ainda, elementos históricos de que, no dia 4 de setembro
de 1260, os Guibelinos apoiaram as forças do rei Manfredo, da Sicília, quando,
então, conseguiram derrotar os Guelfos. Fato que ocorreu em Montapérti que, por
sinal, possuía um exército muito superior em armas e em homens. Porém, sabe-se
de que, antes da batalha, a cidade teria sido consagrada à Virgem Maria, como também, foi a Ela a quem fora confiada a sua proteção. O curioso, também, é que,
hoje, essa proteção é recordada e renovada, lembrando os sieneses do episódio que ocorreu, em 1944, com o fato de terem os
aliados da Segunda Guerra Mundial ameaçado de bombardearem a cidade. Ato que,
felizmente e para a tranquilidade de todos, não ocorreu.
Durante o período medieval, e considerando até o século XIV,
a verdade foi que SIENA constituiu-se na grande rival, nos limites das artes, com
as suas cidades vizinhas. No entanto, como foi amplamente devastada pela Peste Negra, situação acontecida
precisamente no ano de 1348, teve o seu esplendor comprometido, o que lhe
afastou da tão badalada rivalidade com Florença.
E como se encontra a Siena hoje
Retornando à história, ocorreu que, no ano de 1557, teria
perdido a sua independência, e passou a ser integrada pelas formações políticas
e administrativas da Toscana.
Um outro pormenor que é muito curioso na sua história, é que SIENA
proporcionou vários Papas, do que podem ser mencionados como exemplo ALEXANDRE
VI, PIO III e ALEXANDRE VII. Ainda do ponto de vista do catolicismo, são os
seus dois mais destacados santos SANTA CATARINA e SÃO BERNARDINO.
Enquanto isto, teve a construção da sua Catedral iniciada em meados do século XII. A sua construção, por sinal, tornou-a como excepcional representação da arquitetura gótica italiana. Veja-se, inclusive, de que sua fachada principal é atribuída a GIOVANI PISANO (escultor, pintor e arquiteto italiano). Cuja conclusão ocorreu no ano de 1380. Um outro interessante pormenor cultural refere-se à sua Pinacoteca, que possui uma importante coleção de obras dos anos trezentos e quatrocentos.
São muitos os seus atrativos
Siena é constituída por inúmeros e importantes atrativos, o
que a torna um dos mais expressivos destinos internacionais, constando como um
ponto do maior destaque no turismo do mundo inteiro. Do que é um especial
pormenor a sua imensa praça principal, que é
Piazza del Campo, cuja forma é de meia lua, na qual se encontra o
denominado Palazzo Pubblico ou Palazzo Comunale – onde funciona a sua
Câmara principal ou seja, a sua Prefeitura. Belíssima construção que vem do
século XIV. É onde se pode divisar o famoso Campanille,
que é também o seu campanário. É ali, da mesma sorte, onde se encontram os
famosos afrescos de Simoni Martini e Ambrogio Lorenzetti. Isto ao lado dos
relevos da Fuente de Gaia, que são
atribuídos a Jacopo dela Quercia.
É, da mesma sorte, no Palazzo Pubblico onde está a bela e famosa Torre del Mangia (que é o mesmo Campanille – antiga torre medieval, uma torre sineira), de onde se descortina uma maravilhosa vista de toda a cidade. Mas, uma das razões pelas quais a Piazza del Campo é conhecida, e festejada internacionalmente, é o fato de ser onde se realiza, duas vezes ao ano e nos meses de julho e agosto, a famosíssima corrida de cavalos: il Palio.
IL PALIO DE SIENA
O PALIO DE SIENA é, em princípio, uma corrida de cavalos que ocorre com os jóqueis montados no pelo do animal, sem selas. É uma das mais consagradas tradições históricas internacionais que acontece duas vezes ao ano. Mais precisamente, em 2 de julho (Nossa Senhora da Providência) e 16 de agosto (Nossa Senhora da Assunção). E se realiza na Piazza del Campo, que é a principal praça da cidade. O mais curioso ao lado da sua tradição, é que, na corrida, o jóquei monta o cavalo no pelo, sem sela. Cada cavalo, em verdade, representa uma contrada, que vem a ser um bairro da cidade.
Em verdade, a corrida é relativamente curta. Mas a preparação
para que aconteça é que é bem complexa. Da mesma sorte como a celebração da
fantástica festa que leva algumas semanas na sua preparação, e que ocorre durante
duas semanas, mas que envolve, na realidade, toda a cidade.
Siena é integrada por 17 contradas, que
sãos os bairros da cidade. Todos
participam da festa, desfilando, antes da corrida, com cada qual empunhado o
seu estandarte e precedido por um grupo de jovens, todos nos trajes típicos da
respectiva contrada e portando imensas bandeiras que são arremessadas para bem alto (sbandieratti) – durante todo o desfile, enquanto outros executam toques
marciais com os seus instrumentos de percussão. Todo o grupo se encontra
vestido nos trajes tradicionais da
contrada denominados de monturas. A corrida, em si, é realizada apenas com a
participação de dez das contradas, que
integram as três regiões da cidade. A escolha é feita por sorteio.
As “contradas” são bem identificadas
Um fato bem interessante é que cada um daqueles bairros – as contradas – é muito especialmente
caracterizado. Porquanto cada qual das dezessete contradas tem as suas cores,
seu hinos, bandeiras, bem assim em curiosa denominação, próprios.
As dezessete contradas têm as seguintes sugestivas
denominações: 01) AQUILA (águia) – próxima à Catedral; 02) BRUCO (lagarta) – ao norte da Piaza del
Campo, no centro; 03) CHOCHIA (caracol)
– no canto sudoeste da cidade; 04) CIVETTA
(coruja) – próxima a Il Campo (e
foi esta a contrada em que se
encontrava o hotel em que eu e Tereza nos hospedamos, quando lá estivemos - Hotel Tre Donzelle, na Via delle Donzelle); 05) DRAGO (dragão) – a noroeste de Il Campo; 06) GIRAFA (girafa) – nordeste de Il
Campo; 07) ISTRICE (porco
espinho) – noroeste de Siena; 08) LEOCORNO (unicórnio) – a leste de Il Campo; 09) LUPA (loba) –a norte de Il
Campo – 10) NiCCHIO (concha) – a
sudeste da cidade; 11) OCA (ganso) -
ao redor da via Santa Catarina; 12) ONDA (onda)
– a sudoeste de Il Campo; 13) PANTERA (pantera) – parte ocidental da cidade; 14)
SELVA (selva/floresta) – região
sudeste da cidade; 15) TARTUCA (tartaruga) – área sul da
cidade; 16) TORRE (torre) – a sudeste da cidade; 17) VALDIMONTE (vale do carneiro) – a leste da cidade.
Evidentemente que, na corrida, o vencedor é o cavalo que chega na “reta de chegada” em primeiro lugar. Ao todo, a corrida é composta por três voltas na pista da praça. Aliás, a pista - por ser naturalmente pavimentada - é excepcionalmente - à época - coberta com terra para permitir que os cavalos possam nela correr. Outra curiosidade é que o cavalo continua a concorrer, mesmo que o jóquei tenha caído. Porque, durante a corrida, tudo é permitido, até mesmo um jóquei derrubar o outro.
O prêmio ao vencedor é o estandarte
(que é denominado de Pálio), com a figura de Nossa Senhora, que encerra, por sinal, o desfile
histórico. O aludido estandarte, por sua vez, é criado exclusivamente para cada
evento. E sempre é da autoria de um artista local ou de fora.
Nos dias de corrida, Il
Campo fica superlotada pelos habitantes da própria cidade e por milhares de
turistas, todos concentrados preferencialmente no centro da praça – que é
imenso e de onde assistem o evento. Ao redor da praça são instaladas
arquibancadas, que ficam repletas de assistentes que se organizam (denominados
de contradaiolos = moradores nas contradas), e que entoam os hinos das suas próprias contradas. Bem assim com os
milhares de turistas que, todos os anos, também participam da festa.
Evento que já conta com 800 anos
Tendo a sua realização sempre na praça Il Campo, o Pálio já vem ocorrendo há 800 anos e
a sua importância é considerável para a Itália. Tanto assim que, excepcionalmente,
vem sendo todos os anos transmitido em rede nacional pela televisão italiana, a
RAI. E a sua mais destacada
curiosidade, também, é de se constituir num espetáculo medieval. Assistir à sua
realização tem um custo elevado. A não ser que, para assistir gratuitamente o espectador
deve chegar bem cedo na Piazza del Campo para
conseguir assegurar um local privilegiado na parte central da praça, pois a sua
extrema lotação dificulta essa condição para a maioria. Apenas no centro da
praça é que a presença é gratuita. Mas, aqueles que vão para ali, têm que
permanecer algumas horas em pé em meio à grande multidão, durante todo o evento.
Algumas restrições são estabelecidas como, por exemplo, a presença de carrinhos
de bebês, que não são permitidos.
Nunca raro e vez por outra, ocorre no centro da praça um fato
excepcional que é o socorro a pessoas que, eventualmente, passam mal (em
virtude da pressão na multidão e do calor), pois se encontram exposta aos
rigores do sol e têm que ser atendidas. O que causa um momento de suspense para
todo o público. A época do Pálio, por
sinal, é pleno verão.
Agora, nas extremidades em torno de toda a praça, são
instaladas arquibancadas para aqueles que pagam pelo direito de lhe ocupar um
lugar. E o custo é alto. Sobretudo nas janelas dos prédios ao redor, onde é,
também, cobrado o acesso por custo ainda mais elevado. Eu e Tereza, em 1967,
quando lá estivemos, fomos situados num dos locais privilegiados da arquibancada,
por conta de que nos identificamos como jornalistas.
Um adiamento, excepcionalmente
Em uma oportunidade, de que se tenha notícia, a realização do
PALIO
não ocorreu nas duas datas tradicionais, em razão de que, naquelas semanas,
choveu torrencialmente, o que impediu totalmente a sua efetivação. Isto
aconteceu em 2022, quando o espetacular evento se realizou no dia 17 de agosto.
A fantástica afluência decorre não somente da presença do público local. Mas
porque, naqueles dias, toda a cidade de SIENA fica rigorosamente superlotada
de turistas do mundo inteiro. Por essa razão é necessário a reserva de hotéis
com bastante antecipação.
A programação do PALIO é, assim, organizada: pela
manhã, às 08:20 horas ocorre o pré-aviso; às 08:40 horas, o início da limpeza
da pista; às 09:00 horas, a saída dos cavalos do Pátio do Podestà (que é o local ocupado pelo Governador executivo,
que tem um mandato curto). No período
da tarde, às 15:30 horas ocorre o pré-aviso; às 16:00 horas o segundo
pré-aviso; às 16:40 horas, uma nova limpeza da pista; às 17:15 horas ocorre,
então, o desfile dos carabinieris a
cavalo; às 17:20 horas acontece, também, o ingresso do cortejo histórico, em
cujo final é conduzido o Pálio, que
leva a imagem de Nossa Senhora. Às 19:30 horas, finalmente, é que saem os
cavalos do pátio do Podestá.
Há toda uma solenidade no evento
Mas, desde alguns dias antes daquela primeira data de
realização do grande evento, já se respira o ar do PÁLIO. Isto em razão de
que os preparativos se iniciam, realmente, com a “Tratta” (a cerimônia de sorteio e atribuição dos cavalos das
contradas), que ocorre 3 dias antes. É quando os cavalos são apresentados e
devidamente examinados por veterinários. Após o que os “capitães” das contradas
se reúnem para selecionar os dez cavalos que se encontrarem mais aptos, o que
ocorre em sorteio.
Antes mesmo da corrida principal são disputadas seis provas,
manhã e tarde, o que se consuma no terceiro dia antes da competição. Como já
mencionado acima, a disputa acontece logo após o desfile histórico, de que
participam mais de 600 figurantes, os quais estão representando as 17 contradas, que desfilam em seus trajes
tradicionais.
A corrida, em si, ocorre durante três voltas na pista em
torno da praça, quando os jóqueis conduzem os seus respectivos cavalos. Nesse
trajeto, vale tudo, com respeito à condução dos jóqueis, que podem até derrubar
os seus contendores. Logicamente, o cavalo que primeiro cruzar a linha de
chegada é proclamado vencedor. Mesmo que, por acaso, esteja sem o seu jóquei.
Explosão da comemoração
Imediatamente encerrada a corrida, com a transposição do primeiro
cavalo na linha de chegada, acontece uma incrível reação, dificilmente
verificada em outro evento similar: a explosão do público, notadamente dos
moradores da contrada respectiva do
cavalo vencedor. O grande público rompe os limites que os conteve no centro da
praça para, com cavalo, jóquei e tudo, sair pelas ruas de Siena. E desfilam
cantando (na realidade aos berros) o respectivo hino da Contrada vencedora. Comparativamente, comemoração semelhante
somente quando da conquista da Copa do mundo de futebol.
Ao mesmo tempo, ao final da corrida, os membros da contrada
vencedora recebem o Pálio e se
destinam a cantar o “te deum” de agradecimento. Outra fantástica curiosidade é
que, logo após a chegada do cavalo vencedor, o povão leva-o com jóquei pelas ruas
até a Catedral, onde, na maior zoeira, entram cantando o hino da Contrada, mas disciplinadamente, fazem a
volta no altar mor e seguem para o seu bairro onde a festa já foi deflagrada e
uma extensa mesa é o suporte para a comemoração.
Então, a festa segue até o amanhecer do dia seguinte toda ela
regada ao melhor vinho italiano.
















Curioso esse estilo de montar, parece os minuanos ind´genas aqui do RS. a diferença é que aqui andavam praticamente nús. Mas nos invernos gelados usavam ponchos de couro. Uma bela Festa
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