Portugal e a sua excelência

Como se bebe e come na “terrinha”

(CARLOS CASAES e CARLA MARIA)

Eram os anos de 1963. Exatamente o momento em que eu e mais setenta e quatro colegas preparávamo-nos para a diplomação em Direito, pela veneranda Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. No mês de julho conseguimos realizar, enfim, a viagem à Europa, consequência do projeto que – universitários de alguns cursos – realizávamos: a tão esperada Embaixada. Era, em verdade, uma viagem cultural à Europa. E era a primeira oportunidade em que iria ao “Velho Mundo”.

(Esta história, inclusive, está relatada no meu quarto livro “PATRANHAS DE UM VIAJOR”). Éramos, em verdade, apenas eu e MIGUEL DE SOUZA BARACHO – meu saudosíssimo e querido parceiro – que, no voo (ele viajara separadamente de mim porque eu, em virtude do direito do desconto de 50% nas viagens aéreas – nacionais ou internacionais – fora até Lisboa num jato DC-10 da Panair do Brasil, enquanto ele, para gozar também de uma tarifa menor, seguiu em dia diferente num denominado “voo da amizade TAP-Panair”, na realidade, um turboélice DC-8) encontrou um pernambucano, que acabou sendo nosso parceiro de viagem até Paris o ARNEDO.


Num dos primeiros dias na encantadora capital lusitana, retornávamos em fins de tarde de um périplo pelas excelências de Lisboa e ao alcançarmos a Avenida Liberdade, depois dos Restauradores, decidimos uma pausa num quiosque para um drinque. Ao chegar o garçom, informei-lhe de que gostaria de “tomar” uma bebida “quente” e lhe comparei à “cachaça”, se ele conhecia?

Logo a seguir, veio um senhor que nos questionou se éramos brasileiros. À confirmação, esclareceu de que era espanhol e que residia no Rio de Janeiro, onde negociava com antiguidades. E que se encontrava na Europa precisamente para adquirir novas peças para atualização do seu estoque. E que percebera de que os “senhores” dos quais o garçom mencionou só poderiam ser brasileiros, pois “cachaça”, que queriam, só existe no Brasil.

E nos indicou que tomássemos uma dose de “bagaço que era o aperitivo português, a exemplo do aguardente brasileiro.

Aqui começa a razão deste relato, pois vamos exaltar bebidas e pratos típicos de Portugal.

O tradicional “bagaço” nas tradições de Portugal

Seguramente, o “bagaço”, e a sua denominação também genérica “bagaceira”, vem a ser a aguardente considerada “vínica” de Portugal, porquanto da mesma sorte consiste em um destilado da uva – na realidade do bagaço da uva já usado para o vinho – que, asseguram alguns, inspirou, em verdade, a cachaça do Brasil. Não é conhecida, por sinal, a data ou momento em que a destilação do vinho e do “bagaço tenha sido inicialmente processada.


Os portugueses distinguem o “bagaço da “bagaceira”, porquanto entendem de que a segunda é envolvida num aspecto de rusticidade, intrinsicamente popular, muito preferida pelo homem do campo. Já a primeira é mais vinculada à aristocracia, considerada, por seu turno, mais delicada e de gosto refinado. Tanto não percebem qual surgiu primeiro, se a bagaceira ou a aguardente vínica.

A origem da aguardente bagaceira ou simplesmente bagaceira tem a história de sua procedência na destilação do mosto fermentado das partes sólidas da uva, depois de destilado o vinho. A exemplo das cascas, das sementes e até mesmo dos cachos. Por sinal, as cascas e as “grainhas” – que se constituem das sementes da uva e que os portugueses denominam de “películas” - produzem do seu interior óleos responsáveis pelos aromas e sabores típicos da bebida, por sinal, sobremaneira apreciados.



À produção de uma excelente bagaceira há que se atentar para alguns fatores, a exemplo da própria matéria prima, em que se deve observar a escolha da casta mais apropriada. Da mesma sorte quanto o tipo de destilação é preocupação também, porquanto distinguem-se uma produção caseira da industrial, que se consolidam como produtos absolutamente diversos. É de se atentar para o fato de que a utilização da proporção adequada das cascas, das sementes e mesmo dos cachos, devem constituir, na verdade, "receitas secretas” que, por sinal, identificam o seu produtor.

Até porque é a destilação da mistura desses ingredientes que permitirá a produção daquele líquido incolor que é fornecido pelo destilador com teor alcoólico que gira em torno dos 40% e é o produto que será engarrafado.

Portugal tem os seus fabricantes tradicionais


Existente desde 1931 (perdoem-me: ano em que foi, também, fundado o glorioso ESPORTE CLUBE BAHIA – este ano, campeão pela 50ª vez), quando iniciou a produção da bagaceira, a Caves Neto Costa é uma das mais tradicionais fabricantes do aguardente, iniciativa que foi do lusitano Horácio Neto Costa, e que se situa no coração da Bairrada. Em verdade, de começo fixava-se na fabricação de espumantes. Foi somente com o transcorrer do tempo que a sua linha de produção diversificou, apontando como consequência, portanto, a presença da bagaceira que, com a aguardente vínica, ocupa posição de destaque na sua comercialização.

Os lusitanos, realmente, consideram que a bagaceira e a aguardente vínica tenham sido a origem real da cachaça brasileira. Porquanto, asseguram de que o “know-how” português foi que deu sequência ao surgimento no Brasil das primeiras destilarias da “cana-de-açúcar”.  As quais, à época, eram denominadas como “casas de cozer méis”. Por sinal, tal a qualidade e aceitação do produto, logo, logo, foi se multiplicando, em virtude da expansão dos engenhos que se destinavam, em verdade, à produção de açúcar e da rapadura.

Aquele produto surgido em Portugal, em virtude do crescimento tanto da produção quanto da comercialização, inspirou ao Rei, Dom José I, a perceber que se tratava de indiscutível vocação para proporcionar ao país uma arrecadação considerável de recursos. Daí, ter decidido taxar a bebida que surgia, fato que conduziu a cachaça a uma condição de uma das maiores fontes de tributos para a coroa lusitana. Por sinal, coincidentemente, foram aqueles recursos que permitiram as ações do governo na reconstrução de Lisboa. Até então, consideravelmente destruída pelo violento terremoto que se abateu sobre a capital do país.

Os produtos foram banidos pela “coroa”

O tempo, por sinal, se encarregou de algumas mudanças, uma vez que, surpreendentemente, a cachaça chegou a ter a sua produção e o seu consumo proibidos em território lusitano. Tal decisão levou a que a coroa proporcionasse simplesmente banir do país aquela bebida. Avalia-se até que teria sido naquele momento e por conta da iniciativa que, no nordeste de Portugal, a expressão bagaceira foi contemplada com a interpretação de “coisa ruim”, logo, logo, alcançando todo o país.

Por sua vez, é diversa a origem da aguardente vínica que, em verdade, se trata de um resultado proveniente da destilação do vinho, processo que a conduz a se constituir em um produto ainda mais sofisticado. O seu aroma e o seu sabor são menos fortes, por consequência, mais equilibrados. Interpreta-se, inclusive, de que essa aguardente é integrante da mesma família do francês cognac, tanto quanto do armagnac e do brandy de Jerez. Isto, por consequência de todos eles provirem do mesmo processo.

            No entanto, apontam como diferencial de certa monta o fato de que as castas das uvas que são empregadas na preparação destes últimos serem de tipos diversos. Da mesma sorte como advertem que o envelhecimento em barris de carvalho é um outro elemento que diferencia os produtos. Esse envelhecimento, por sinal, asseguram proporcionar maior suavidade, além dos seus tons mais escuros, sua complexidade, bem assim por terem aromas e sabores diversos. Até porque, o tempo de envelhecimento do produto será responsável também pela sua classificação final, pois pode alcançar até seis anos.

O surgimento do conhaque MACIEIRA



O badalado conhaque MACIEIRA ocorreu mesmo entre os anos 1930 e 1950, inclusive reforçado com a abertura das importações, que ocorreu em 1992. Era produzido pela família Macieira e a fábrica foi fundada em 1865 pelo seu patriarca, JOSÉ GUILHERME MACIEIRA. Àquela altura, as relações culturais entre Portugal e França estreitaram-se consideravelmente, a ponto dos filhos daquelas famílias melhor situadas economicamente visitarem, sobretudo Paris, com frequência.


Ocorreu que o filho de JOSÉ GUILHERME MACIEIRA, em visita à região, encantou-se com a bebida e passou a promover a produção do Cognac, depois de convencer ao seu pai no sentido de proporcionar em Portugal a fabricação da bebida com iguais características à francesa. Com cerca de 20 anos após a fundação da empresa, que ocorreu mais precisamente, em 1885, foi que o Brandy Macieira passou a ter a sua produção acontecendo na Vila Bombarral, no coração da Extremadura. Foi quando, então, começou a ser lançado no mercado, em Portugal. Foi a oportunidade, por conta, para aquele aguardente ser contemplado com um outro nome.

Sabe-se que dois outros grandes apreciadores do Macieira foram o poeta português FERNANDO PESSOA e, da mesma sorte, o escritor brasileiro, baiano, JORGE AMADO. Por sinal, em torno de 1980, JORGE AMADO estava em visita a Portugal quando, repetindo o que ocorria sempre que ele ia ao querido país, recebeu uma caixa do aguardente, do próprio produtor. No entanto, àquela altura, o MACIEIRA já era produzido também no Brasil, embora com diversa qualidade. O que aconteceu realmente foi que, nos dias de hoje, o MACIEIRA somente é produzido em Portugal, mesmo.

AVELEDA é uma outra produtora de aguardente


Há uma outra empresa, em Portugal, que produz o tradicional aguardente vínica, que é a AVELEDA, existente há mais de três séculos, por sinal, com direção da mesma família. Como destaque para o fato de que é líder do mercado e se situa na região dos Vinhos Verdes, comercializando, por sinal, os seus vinhos em mais de 90 países. É a Adega Velha, produção da Aveleda, que se destaca com os Vinhos Verdes, razão pela qual, por ser produto com maior teor de acidez, produz também aguardentes, desde a bagaceira às vínicas. Estas últimas destacam-se pela cor âmbar, além de um buquê complexo e harmonioso de flores silvestres, acrescentando ainda um toque de madeira nobre.

Curioso de toda a sua produção é o fato de que, em virtude da grande variedade das castas lusitanas, permite-lhe produzir os aguardentes e as bagaceiras, todos com aspecto diferenciado. Por sinal, isto leva a que pode satisfazer os gostos que sejam bastante diferentes. Conquanto no Brasil a sua divulgação seja pequena como é, da mesma sorte, o seu consumo.

GINJA, outro produto típico de Portugal



Exaltada como GINJA, é uma outra bebida típica de Portugal, da mesma maneira conhecida como ginjinha. Conforme constante dos anais históricos dessa “Arte de viver”, a ginja ou ginjinha seria uma bebida típica portuguesa, mas que teria sido inventada por um espanhol. O cidadão teria seguido os conselhos de um frade da Igreja de Santo Antônio, o que acabou “desaguando” nesse autêntico “aperitivo”. No entanto, conquanto se conheçam as notícias em torno, não é fácil estabelecer exatamente o momento em que a bebida surgiu. Até porque, outras opiniões sugerem que teria sido lançada na Ásia, sendo que, por conta das navegações e das suas rotas comerciais, teria desembarcado em Portugal, o que identificado como ocorrido no século I d.C.


A verdade é que a sua fabricação provem do fato de que os meses em que as cerejas abundam são de maio a julho. A expressão “abundam” é autêntica em razão de que o produto tanto avulta nesses meses que os portugueses têm o hábito de comer e beber sempre com a cereja. O fato, todavia, é que a ginja portuguesa provem das cerejinhas vermelhas, as quais são fermentadas em aguardente com açúcar, água e canela. Tanto que é um hábito português degustar a ginja após as refeições.

É possível encontrar a ginja em estabelecimentos que servem bebidas, ainda que seja em outro qualquer país europeu. Contudo, existem aqueles estabelecimentos em que a ginja é o produto principal. Como num daqueles que ficam entre as praças da Figueira, Rossio e Restauradores (não tenho como precisar exatamente o local), que eu frequentei algumas vezes em que estive em Lisboa, até porque levava sempre uma encomenda do colega e amigo JOSÉ CURVELO (saudade), ex-redator do jornal "A Tarde", que era um dos maiores apreciadores e consumidores do aperitivo identificados na Bahia.

Curiosidades sobre a “ginja”

Uma curiosidade é que, nas lojas especializadas, é hábito do atendente – sempre que você solicita uma dose – questionar se deseja com ou sem ginja, quer dizer, a fruta. Há, da mesma sorte, um costume de servir a bebida num “copo de chocolate”, fato que determina que, após degustar o líquido se consuma também o próprio copinho (sendo exemplo de procedimento idêntico, no Brasil, a casquinha do sorvete).



Assegura-se que a mais famosa e consumida ginja é a de Óbidos, por ser a mais tradicional. Ali, ela tem sido produzida há muitas e muitas décadas. Até porque, na região em que se encontra, a cidade de Óbidos é o local em que estão as melhores cerejeiras da Europa. Segundo afirmam os seus experts. Seriam as ginjas silvestres.

É possível- conforme afirmam os seus conhecedores – promover uma produção de ginja em sua própria residência. Embora assegurem-se de que a receita original é um autêntico mistério, esclarecem-se, também, de que se pode produzir na própria residência. Isto se for seguida a seguinte receita: adicionar um quilo de açúcar, um quilo da ginja, 2,5 litros de aguardente e um pau de canela. De começo, deve-se lavar convenientemente as ginjas e, após secá-las, retirar o seu “cabinho”. Porém, não se deve extrair o caroço. A seguir, e preciso apenas depositar as frutas numa garrafa, cobri-las com açúcar e colocar o aguardente. É, portanto, a receita de um sofisticado licor, pois o processo é de uma autêntica “infusão”.

Um pormenor importante é que se deve observar para que a garrafa seja depositada em um local onde haja pouca luz, de preferência bem escuro. Logo a seguir à primeira semana, deve-se agitar o líquido uma vez por dia. Feito isto e decorridos noventa dias com o líquido em repouso, já é possível degusta-lo. No entanto, há quem assegure de que o prazo perfeito para que a ginja alcance a sua excelência ideal seja de um ano.

Outra curiosidade: a culinária portuguesa

Mas, ao lado de todas essas curiosidades sobre bebidas que são típicas de Portugal, está a sua vasta, maravilhosa e tantas vezes curiosa culinária. Aqui, pretendemos não propriamente proporcionar receitas de pratos da cozinha lusitana, mas relacionar, lembrando, alguns títulos bastante típicos e comuns na mesa do cotidiano português.

Vejamos:

Sardinha Assada, Bacalhau ao Brás, Bacalhau à Gomes Sá, Francesinha, Cozido a Portuguesa, Arroz de Tomate, Arroz de Feijão, Arroz de Pato, Pastel de Nata (de Belém), Arroz de Marisco, Polvo a Lagareiro, Caldeirada de Peixe, Tripa à Moda do Porto, Almeijada Bulhão Pato, Cataplana de Mariscos, Leitão à Barrada, Chanfana, Açorda Alentejana, Feijoada de Mariscos, Sandes (sanduiches), Bifana (lanches), Tempurá, Queijo Serra da Estrela, Cabidela, Caldo Verde, Prego, Bitoque, Farrapo Velho, Percebes, Baba de Camelo. E por aí.

Agora, é só escolher o cardápio e degusta-lo! Não esquecendo de “abrir o apetite” com uma deliciosa ginja.

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