Portugal e a sua excelência
Como se bebe e come na
“terrinha”
(CARLOS CASAES e CARLA MARIA)
Eram os anos
de 1963. Exatamente o momento em que eu e mais setenta e quatro colegas
preparávamo-nos para a diplomação em Direito, pela veneranda Faculdade de
Direito da Universidade Federal da Bahia. No mês de julho conseguimos realizar,
enfim, a viagem à Europa, consequência do projeto que – universitários de
alguns cursos – realizávamos: a tão esperada Embaixada. Era, em
verdade, uma viagem cultural à Europa. E era a primeira oportunidade em que
iria ao “Velho Mundo”.
Num dos primeiros dias na encantadora capital lusitana, retornávamos em fins de tarde de um périplo pelas excelências de Lisboa e ao alcançarmos a Avenida Liberdade, depois dos Restauradores, decidimos uma pausa num quiosque para um drinque. Ao chegar o garçom, informei-lhe de que gostaria de “tomar” uma bebida “quente” e lhe comparei à “cachaça”, se ele conhecia?
Logo a
seguir, veio um senhor que nos questionou se éramos brasileiros. À confirmação,
esclareceu de que era espanhol e que residia no Rio de Janeiro, onde negociava
com antiguidades. E que se encontrava na Europa precisamente para adquirir novas
peças para atualização do seu estoque. E que percebera de que os “senhores” dos
quais o garçom mencionou só poderiam ser brasileiros, pois “cachaça”, que
queriam, só existe no Brasil.
E nos
indicou que tomássemos uma dose de “bagaço” que era o aperitivo português, a exemplo do aguardente
brasileiro.
Aqui começa
a razão deste relato, pois vamos exaltar bebidas e pratos típicos de Portugal.
O tradicional “bagaço” nas tradições de Portugal
Seguramente, o “bagaço”, e a sua denominação também genérica “bagaceira”, vem a ser a aguardente considerada “vínica” de Portugal, porquanto da mesma sorte consiste em um destilado da uva – na realidade do bagaço da uva já usado para o vinho – que, asseguram alguns, inspirou, em verdade, a cachaça do Brasil. Não é conhecida, por sinal, a data ou momento em que a destilação do vinho e do “bagaço” tenha sido inicialmente processada.
Os
portugueses distinguem o “bagaço” da “bagaceira”, porquanto entendem de que a segunda é envolvida
num aspecto de rusticidade, intrinsicamente popular, muito preferida pelo homem
do campo. Já a primeira é mais vinculada à aristocracia, considerada, por seu turno, mais delicada e de gosto refinado.
Tanto não percebem qual surgiu primeiro, se a bagaceira ou a aguardente
vínica.
A origem da aguardente bagaceira ou simplesmente bagaceira tem a história de sua
procedência na destilação do mosto fermentado das partes sólidas da uva, depois
de destilado o vinho. A exemplo das cascas, das sementes e até mesmo dos
cachos. Por sinal, as cascas e as “grainhas” – que se constituem das sementes
da uva e que os portugueses denominam de “películas”
- produzem do seu interior óleos responsáveis pelos aromas e sabores típicos da
bebida, por sinal, sobremaneira apreciados.
À produção
de uma excelente bagaceira há que se atentar para alguns fatores, a exemplo da
própria matéria prima, em que se deve observar a escolha da casta mais
apropriada. Da mesma sorte quanto o tipo de destilação é preocupação também,
porquanto distinguem-se uma produção caseira da industrial, que se consolidam
como produtos absolutamente diversos. É de se atentar para o fato de que a
utilização da proporção adequada das cascas, das sementes e mesmo dos cachos,
devem constituir, na verdade, "receitas secretas” que, por sinal,
identificam o seu produtor.
Até porque é
a destilação da mistura desses ingredientes que permitirá a produção daquele
líquido incolor que é fornecido pelo destilador com teor alcoólico que gira em
torno dos 40% e é o produto que será engarrafado.
Portugal tem os seus
fabricantes tradicionais
Existente desde 1931 (perdoem-me: ano em que foi, também, fundado o glorioso ESPORTE CLUBE BAHIA – este ano, campeão pela 50ª vez), quando iniciou a produção da bagaceira, a Caves Neto Costa é uma das mais tradicionais fabricantes do aguardente, iniciativa que foi do lusitano Horácio Neto Costa, e que se situa no coração da Bairrada. Em verdade, de começo fixava-se na fabricação de espumantes. Foi somente com o transcorrer do tempo que a sua linha de produção diversificou, apontando como consequência, portanto, a presença da bagaceira que, com a aguardente vínica, ocupa posição de destaque na sua comercialização.
Os
lusitanos, realmente, consideram que a bagaceira e a aguardente vínica tenham sido
a origem real da cachaça brasileira. Porquanto, asseguram de que o “know-how”
português foi que deu sequência ao surgimento no Brasil das primeiras
destilarias da “cana-de-açúcar”. As
quais, à época, eram denominadas como “casas
de cozer méis”. Por sinal, tal a qualidade e aceitação do produto, logo,
logo, foi se multiplicando, em virtude da expansão dos engenhos que se
destinavam, em verdade, à produção de açúcar e da rapadura.
Aquele
produto surgido em Portugal, em virtude do crescimento tanto da produção quanto
da comercialização, inspirou ao Rei, Dom José I, a perceber que se tratava de
indiscutível vocação para proporcionar ao país uma arrecadação considerável de recursos.
Daí, ter decidido taxar a bebida que
surgia, fato que conduziu a cachaça a uma condição de uma das maiores fontes de
tributos para a coroa lusitana. Por sinal, coincidentemente, foram aqueles
recursos que permitiram as ações do governo na reconstrução de Lisboa. Até então, consideravelmente destruída pelo
violento terremoto que se abateu sobre a capital do país.
Os produtos foram
banidos pela “coroa”
O tempo, por
sinal, se encarregou de algumas mudanças, uma vez que, surpreendentemente, a
cachaça chegou a ter a sua produção e o seu consumo proibidos em território
lusitano. Tal decisão levou a que a coroa proporcionasse simplesmente banir do
país aquela bebida. Avalia-se até que teria sido naquele momento e por conta da
iniciativa que, no nordeste de Portugal, a expressão bagaceira foi contemplada
com a interpretação de “coisa ruim”,
logo, logo, alcançando todo o país.
No entanto, apontam como diferencial
de certa monta o fato de que as castas das uvas que são empregadas na
preparação destes últimos serem de tipos diversos. Da mesma sorte como advertem
que o envelhecimento em barris de carvalho é um outro elemento que diferencia
os produtos. Esse envelhecimento, por sinal, asseguram proporcionar maior
suavidade, além dos seus tons mais escuros, sua complexidade, bem assim por
terem aromas e sabores diversos. Até porque, o tempo de envelhecimento do
produto será responsável também pela sua classificação final, pois pode
alcançar até seis anos.
O surgimento do
conhaque MACIEIRA
O badalado
conhaque MACIEIRA ocorreu mesmo entre
os anos 1930 e 1950, inclusive reforçado com a abertura das importações, que
ocorreu em 1992. Era produzido pela família Macieira e a fábrica foi fundada em
1865 pelo seu patriarca, JOSÉ GUILHERME MACIEIRA. Àquela altura, as relações
culturais entre Portugal e França estreitaram-se consideravelmente, a ponto dos
filhos daquelas famílias melhor situadas economicamente visitarem, sobretudo
Paris, com frequência.
Ocorreu que o filho de JOSÉ GUILHERME MACIEIRA, em visita à região, encantou-se com a bebida e passou a promover a produção do Cognac, depois de convencer ao seu pai no sentido de proporcionar em Portugal a fabricação da bebida com iguais características à francesa. Com cerca de 20 anos após a fundação da empresa, que ocorreu mais precisamente, em 1885, foi que o Brandy Macieira passou a ter a sua produção acontecendo na Vila Bombarral, no coração da Extremadura. Foi quando, então, começou a ser lançado no mercado, em Portugal. Foi a oportunidade, por conta, para aquele aguardente ser contemplado com um outro nome.
Sabe-se que
dois outros grandes apreciadores do Macieira foram o poeta português FERNANDO
PESSOA e, da mesma sorte, o escritor brasileiro, baiano, JORGE AMADO. Por
sinal, em torno de 1980, JORGE AMADO estava em visita a Portugal quando,
repetindo o que ocorria sempre que ele ia ao querido país, recebeu uma caixa do
aguardente, do próprio produtor. No entanto, àquela altura, o MACIEIRA já era
produzido também no Brasil, embora com diversa qualidade. O que aconteceu
realmente foi que, nos dias de hoje, o MACIEIRA somente é produzido em
Portugal, mesmo.
AVELEDA é uma outra
produtora de aguardente
Há uma outra empresa, em Portugal, que produz o tradicional aguardente vínica, que é a AVELEDA, existente há mais de três séculos, por sinal, com direção da mesma família. Como destaque para o fato de que é líder do mercado e se situa na região dos Vinhos Verdes, comercializando, por sinal, os seus vinhos em mais de 90 países. É a Adega Velha, produção da Aveleda, que se destaca com os Vinhos Verdes, razão pela qual, por ser produto com maior teor de acidez, produz também aguardentes, desde a bagaceira às vínicas. Estas últimas destacam-se pela cor âmbar, além de um buquê complexo e harmonioso de flores silvestres, acrescentando ainda um toque de madeira nobre.
Curioso de
toda a sua produção é o fato de que, em virtude da grande variedade das castas
lusitanas, permite-lhe produzir os aguardentes e as bagaceiras, todos com
aspecto diferenciado. Por sinal, isto leva a que pode satisfazer os gostos que
sejam bastante diferentes. Conquanto no Brasil a sua divulgação seja pequena
como é, da mesma sorte, o seu consumo.
GINJA, outro produto
típico de Portugal
Exaltada
como GINJA,
é uma outra bebida típica de Portugal, da mesma maneira conhecida como ginjinha.
Conforme constante dos anais históricos dessa “Arte de viver”, a ginja
ou ginjinha
seria uma bebida típica portuguesa, mas que teria sido inventada por um
espanhol. O cidadão teria seguido os conselhos de um frade da Igreja de Santo
Antônio, o que acabou “desaguando” nesse autêntico “aperitivo”. No entanto,
conquanto se conheçam as notícias em torno, não é fácil estabelecer exatamente
o momento em que a bebida surgiu. Até porque, outras opiniões sugerem que teria
sido lançada na Ásia, sendo que, por conta das navegações e das suas rotas
comerciais, teria desembarcado em Portugal, o que identificado como ocorrido no
século I d.C.
A verdade é que a sua fabricação provem do fato de que os meses em que as cerejas abundam são de maio a julho. A expressão “abundam” é autêntica em razão de que o produto tanto avulta nesses meses que os portugueses têm o hábito de comer e beber sempre com a cereja. O fato, todavia, é que a ginja portuguesa provem das cerejinhas vermelhas, as quais são fermentadas em aguardente com açúcar, água e canela. Tanto que é um hábito português degustar a ginja após as refeições.
É possível
encontrar a ginja em estabelecimentos que servem bebidas, ainda que seja em
outro qualquer país europeu. Contudo, existem aqueles estabelecimentos em que a
ginja
é o produto principal. Como num daqueles que ficam entre as praças da
Figueira, Rossio e Restauradores (não tenho como precisar exatamente o local),
que eu frequentei algumas vezes em que estive em Lisboa, até porque levava
sempre uma encomenda do colega e amigo JOSÉ CURVELO (saudade), ex-redator do jornal "A Tarde", que era um dos
maiores apreciadores e consumidores do aperitivo identificados na Bahia.
Curiosidades sobre a
“ginja”
Uma
curiosidade é que, nas lojas especializadas, é hábito do atendente – sempre que
você solicita uma dose – questionar se deseja com ou sem ginja, quer dizer, a fruta. Há, da mesma sorte, um costume de servir a
bebida num “copo de chocolate”, fato que determina que, após degustar o líquido
se consuma também o próprio copinho (sendo exemplo de procedimento idêntico, no
Brasil, a casquinha do sorvete).
Assegura-se
que a mais famosa e consumida ginja é a de Óbidos, por ser a mais
tradicional. Ali, ela tem sido produzida há muitas e muitas décadas. Até
porque, na região em que se encontra, a cidade de Óbidos é o local em que estão
as melhores cerejeiras da Europa. Segundo afirmam os seus experts. Seriam as ginjas
silvestres.
É possível-
conforme afirmam os seus conhecedores – promover uma produção de ginja
em sua própria residência. Embora assegurem-se de que a receita original é um
autêntico mistério, esclarecem-se, também, de que se pode produzir na própria
residência. Isto se for seguida a seguinte receita: adicionar um quilo de açúcar, um quilo da ginja, 2,5 litros de aguardente e um pau de canela. De começo,
deve-se lavar convenientemente as ginjas e, após secá-las, retirar o
seu “cabinho”. Porém, não se deve extrair o caroço. A seguir, e preciso apenas
depositar as frutas numa garrafa, cobri-las com açúcar e colocar o aguardente.
É, portanto, a receita de um sofisticado licor, pois o processo é de uma
autêntica “infusão”.
Um pormenor
importante é que se deve observar para que a garrafa seja depositada em um local
onde haja pouca luz, de preferência bem escuro. Logo a seguir à primeira
semana, deve-se agitar o líquido uma vez por dia. Feito isto e decorridos
noventa dias com o líquido em repouso, já é possível degusta-lo. No entanto, há
quem assegure de que o prazo perfeito para que a ginja alcance a sua
excelência ideal seja de um ano.
Outra curiosidade: a
culinária portuguesa
Mas, ao lado
de todas essas curiosidades sobre bebidas que são típicas de Portugal, está a
sua vasta, maravilhosa e tantas vezes curiosa culinária. Aqui, pretendemos não
propriamente proporcionar receitas de pratos da cozinha lusitana, mas
relacionar, lembrando, alguns títulos bastante típicos e comuns na mesa do
cotidiano português.
Vejamos:
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