BAHIA de tantos ícones e quantas histórias
I - O Senhor do Bonfim
que lhe emoldura com o seu manto
(Carlos Casaes e Carla
Maria)
A Bahia não é tão somente uma terra
de tantos cromatismos. São muitos os ícones que se espraiam pelo mundo contando
as suas histórias. A nossa intenção, nestas despretensiosas considerações, é
precisamente evocar os muitos capítulos que fazem da sua verdade o encanto do
resto do mundo.
Começo de tudo, neste país ainda tão
desigual, reúne situações tão diversas mas tão agregadoras, que parecem dissociá-la
do restante da nação. Sobretudo nos dias atuais, quando a diversificação tem sido,
desastradamente, reveladora de tantos preconceitos que medeiam nos corações das
pessoas.
O que desejamos precisamente
caracterizar, a partir daqui, é o quanto a vida propiciou - a esta terra
bendita - situações e aspirações que a fazem avultar um diferencial nesse todo
conturbado complexo de vida e de aspirações. Estamos iniciando precisamente com
um dos mais consagrados e reflexados elementos do seu contexto: “a história do Senhor do Bonfim da Bahia”.
Senhor do Bonfim na
história da Bahia
O culto ao Senhor do Bonfim (o cotidiano informa que a sua denominação passou a se confundir com a própria terra para onde ele veio, há alguns séculos, tanto que passou a ser conhecido como “Senhor do Bonfim da Bahia”). Como se ele não fosse um “santo” cultuado em todo o mundo.
Mas a sua história, na realidade,
remonta ao século XVIII, quando a sua imagem foi, pela primeira vez, trazida
para Salvador. E, conta-nos a história, de que a sua vinda foi consequência,
praticamente, de uma procela, uma incrível tempestade que, em certo momento,
ocupou parte do Oceano Atlântico, no trecho do roteiro de quem vem de Portugal
para cá.
E o responsável, em verdade, foi o
capitão de mar e guerra da Marinha Portuguesa, de nome THEODÓSIO RODRIGUES DE
FARIAS. O fato foi que, aquele cidadão que possuía dois ou três navios que
transportavam escravos, numa das suas viagens para a Bahia, a sua embarcação
foi atingida por uma violenta tempestade. Assustado e temeroso de que o barco
não resistisse à violência do mar, fez uma promessa.
Os rogos daquele que chegou a ser
titular de cargos na administração colonial na Bahia foram no sentido de que,
se o mar amainasse a sua fúria, ele traria para a Bahia uma imagem do Senhor do
Bonfim, bem assim, da mesma sorte prometeu, outra de Nossa Senhora da Guia,
cuja devoção, concomitante, estaria introduzindo no Brasil.
Promessa expressa,
promessa cumprida
E assim ocorreu. O navio negreiro do
lusitano reencontrou a calmaria para poder chegar a Salvador, e Theodósio
Rodrigues cumpriu o prometido. Inclusive, junto a outros devotos, ao chegar a
Salvador com a imagem do Senhor do Bonfim, buscou uma forma de criar uma
irmandade que fosse o desaguadouro da fé de tantos católicos que sempre
caracterizaram a Bahia, no que respeita à sua religiosidade.
A irmandade, então, seria encarregada, oficialmente, de zelar pela conservação e funcionamento do templo – bem assim para a instituição e manutenção da festa que o iria, finalmente, consagrar - logo a seguir construído e que abrigou a bela imagem, como até hoje. Ocorre que, àqueles tempos, a instituição de uma irmandade teria que ser precedida de autorização oficial, o que, em verdade, não ocorreu. Fato que frustrou a iniciativa do lusitano.
Na realidade, a réplica da imagem do
Senhor do Bonfim foi trazida por Theodósio Rodrigues de Faria em 18 de abril de
1745.
Surpreendentemente e de imediato,
após a chegada da imagem do Senhor do Bonfim, a sua devoção da parte da
população baiana mostrou-se tão espontânea quanto contagiosa. Ganhando,
portanto, uma multidão histórica e admiravelmente crescente. A partir de então,
aliás, como tudo na Bahia, o culto ao Senhor do Bonfim passou a se constituir
em uma tradição, sem dúvidas, a mais explosiva de quantas tradições
consubstanciam a característica das terras baianas.
Um padroeiro espontâneo
Na realidade, o padroeiro oficial da
Cidade do Salvador é São Francisco Xavier. No entanto, o culto ao Senhor do
Bomfim alcançou tamanha expansão e se agregou à intensa religiosidade baiana,
que passou a ser considerado como um padroeiro não oficial da cidade.
Com o passar do tempo, a expansão surpreendente do culto ao Senhor do Bonfim alcançou tão incontroláveis limites que, pouco depois da sua chegada, começaram a ser introduzidas outras intenções, como a, logo a seguir, tradicional “lavagem” que, na sua origem, limitou-se à sua escadaria para, com o crescer da multidão, ser destinada a todo o adro, mas boqueado para o povão. Somente permitida para as baianas. Para, logo após, também ser introduzido o hábito de adoção da sua consequente “fitinha”, na condição mesmo de amuleto.
Contudo, a imagem não estaria sem o
templo que a abrigasse. Porque, pouco depois da sua vinda para Salvador,
iniciou-se a construção da igreja que o receberia “ad eterno”. Desde a sua chegada, que ocorreu no dia 18 de abril de
1845 (conta-nos a sua história), a imagem que, em verdade, era uma réplica
daqueloutra que, originariamente, encontrava-se na cidade onde nascera o seu
introdutor, Setúbal.
Construída a Capela na Colina que passou a ser sagrada
De princípio, quando aqui chegou, e por ainda não existir um templo específico para lhe acolher, a imagem do Senhor do Bonfim foi, na realidade, acomodada na capela da Penha, já existente. E o local escolhido para onde deveria ser erigido um novo templo foi uma colina que ficava situada em uma propriedade que se denominava de Alto do Monte Serrat. É precisamente onde a capela originária transformou-se no belo templo hoje tão exaltado pelos milhões de devotos em todo o mundo.
Ao correr do tempo, o local original
de onde se ergueu a igreja passou a ser conhecido como “Colina Sagrada do Bonfim”. Na realidade, é a colina que está bem
próxima do denominado Monte Serrat, na intercessão do roteiro que conduz ao
bairro de Itapagipe. Como também próximo do largo e bairro da Boa Viagem. Isto,
em verdade, na denominada “Cidade Baixa”.
Durante alguns anos as obras não
foram procrastinadas, tanto assim que, em 1754, a Igreja do Bonfim foi,
finalmente, entregue ao povo baiano para o seu culto. É de ser ver que a
introdução definitiva da imagem do Senhor do Bonfim chegou a ser abrigada no
templo construído para lhe acolher, o que aconteceu no dia 24 de junho. Na
realidade, dia consagrado a São João – e que foi e continua sendo uma das mais
expressivas festas populares da Bahia – transferida, finalmente, da Capela da
Penha para a colina.
No entanto, as obras da igreja ainda
seriam realizadas durante mais quase vinte anos. Porque a conclusão definitiva
da construção foi dada como acontecida em 1772. Naquele momento foi que as torres
da igreja foram finalizadas, como último setor da construção.
O início real do culto
à imagem
Obras concluídas em 1772, no ano seguinte teve início a celebração da festa litúrgica do Bonfim. E o dia que lhe foi consagrado passou a ser o segundo Domingo da Epifania, no calendário litúrgico da Igreja Católica (que, na realidade, é o segundo domingo do mês de janeiro). As condições da época ainda eram muito precárias, tanto assim que a iluminação fora proporcionada por lampiões. Situação que perduraria durante apenas alguns anos, porquanto, em 1862 foi definitivamente instalada a iluminação pública, constituída, por sinal, de lâmpadas de gás carbônico.
Já as instalações elétricas somente
chegaram àquele local em 1902, condição original que se estendeu até o ano de
1998. Foi naquele período que a igreja obteve a sua restauração É de se
entender que o templo foi construído no estilo “rococó”, uma típica igreja
colonial, portanto, com duas torres que abrigavam – e ainda abrigam – os seus
sinos, por isto denominadas de torres sineiras. Ambas frontais e nas suas
laterais.
Hoje, a Igreja do Bonfim, na sua
colina Sagrada, é, sem a menor dúvida, uma das mais tradicionais da Cidade do
Salvador. Igreja que é dedicada ao Senhor do Bonfim, extraordinariamente considerado
como o seu padroeiro, constituindo-se, indiscutivelmente, num dos mais
festejados símbolos do sincretismo religioso baiano. Porquanto identificado
como orixá Oxalá, pelos que adotam,
também, o culto ao candomblé.
História que teve
início em Setúbal/Portugal
Em verdade, a história que se envolveu com uma tempestade no Oceano Atlântico, no trajeto de Portugal para a Bahia, tem a sua origem primeira na cidade de Setúbal, em Portugal. Porque, a bem de ser pesquisado, a questão remonta ao ano de 1669, quando, naquela cidade lusitana, foi iniciada a construção de uma ermida.
De começo, aquela Ermida chegou a ser
denominada de “Igreja do Anjo da Guarda”. No entanto, algum tempo depois,
passou a ser conhecida como a Igreja do Senhor do Bonfim. Porque esta vinha a
ser a devoção de Dom João V. A sua importância, inclusive, está vinculada a uma
promessa que D. João V havia feito para a recuperação da saúde do seu pai, que
foi o rei Dom Pedro II.
Informa-nos a história de que,
em1927, o Papa Pio XI elevou a capela do Bonfim da Bahia à condição de
“Basílica Maior”, enquanto em 1975 foi criado o Museu dos Ex-Votos. Esse museu
é destinado ao abrigo dos objeto que são levados pelos devotos, em razão de
graças alcançadas. Já em 1991, a Igreja do
Bonfim foi visitada pelo Papa João Paulo II. Naquela oportunidade, Sua
Santidade presenteou a igreja com um “cálice de prata dourada”, como também
rezou aos pés do Senhor do Bonfim.
A tradicional “Lavagem
do Bonfim”
As informações sobre a Lavagem do
Bonfim, historicamente, não são muito precisas. No entanto, há os que afirmam
de que o instante do início dessa, que é uma das mais valiosas tradições da
Bahia, teria ocorrido, na verdade, no século XIX. Diz-nos a lenda de que tão
festejada tradição teria ocorrido, em princípio, no seu início. E que teria
surgido em virtude de um português, agradecido ao Senhor do Bonfim, ter
sobrevivido à Guerra do Paraguai.
Uma outra história conta-nos de que
tal tradição teria tido começo em razão de um devoto de Oxalá – que é um orixá do
candomblé. Ainda há uma terceira versão. Esta de que, na realidade, a lavagem
começou na escadaria do templo em razão da “dança de São Gonçalo”, que, por
sinal, se realizava na própria Igreja do Bonfim. É que, segundo a história, as
devotas de São Gonçalo mantinham o hábito de lavar a Igreja do Bonfim antes da
dança e, com isto, tal prática houvera ganho sequência e tradição.
E, na sequência, a
grande festa
Informa-nos, ainda, o IPHAN de que a grande Festa do Bonfim vem sendo realizada dede 1745, sem interrupção. É uma festa profana que alia o vigoroso catolicismo brasileiro à tradição afro-brasileira. Já alguns historiadores vão mais além ao assegurar de que tais festejos tiveram, em verdade, começo na Idade Média, a partir da devoção ao senhor Bom Jesus, o Cristo Crucificado.
Indiscutivelmente, hoje, a famosa
celebração integra o calendário litúrgico, inserindo-se nas tradicionais
“festas de largo” de Salvador, que consubstanciam uma mistura das atividades
profanas com as de natureza cultural. No calendário, o início ocorre um dia
após o “Santos Reis”, encerrando-se no segundo domingo depois da Epifania,
conhecido na verdade, como o Dia do Senhor do Bonfim.
A fantástica Festa da Lavagem do
Bonfim alcançou um nível simplesmente espetacular, porquanto reúne mais de um
milhão de pessoas, dentre as quais, centenas de milhares de visitantes de
outros Estados. O cortejo tem início na Igreja da conceição da Praia, tendo à
frente as baianas com os seus trajes típicos e portando os potes com a chamada
“água de cheiro” e flores, aspergindo aos passantes, ao longo dos 8 quilômetros
em que se constitui o trajeto, água de colônia.
Segue-se, logo após o tradicional afoxé Filhos de Ghandi, a imagem transportada em veículo especialmente decorado para esse fim. Atrás, então, vem o “povão”, acompanhando as dezenas de trios elétricos, blocos, outro afoxés, que dão o toque extremamente festivo.
Indispensável a lembrança de que todo
esse povão está, invariavelmente, vestido de branco, que é a cor destinada ao
Senhor do Bonfim. (Nunca é demais lembrar de que o branco passou a ser veste
obrigatória – para os que o cultuam – nos dias de sexta-feira). Ao longo do
trajeto dos 8 quilômetros, o cortejo vai sendo enriquecido pelos milhares de
fiéis que o espera para seguir até a “Colina Sagrada”. Na denominada “Baixa do
Bonfim”, dezenas de barracas dão o toque ainda mais festivo e profano. É onde a
multidão alcança um clímax não visto nem no próprio Carnaval.
Forma-se, então, uma simplesmente
espetacular multidão que se espraia - nos oito quilômetros - desde a Praça
Cairú e até a colina. Nunca é demais lembrar de que a Basílica foi erguida no
século XVIII e tombada desde 1938 pelo IPHAN, o que está registrado no Livro de
Belas Artes.
Irrecusável lembrar, da mesma sorte,
de que, num momento tão especial, sobretudo em razão da presença de um público
simplesmente espetacular, os políticos igualmente acompanham, com seus grupos,
em parte ou todo, o cortejo;
Um que saía desde a Igreja da
Conceição da Praia e até a Colina Sagrada e quando chegava ao pé das escadarias
da Igreja era, simplesmente, recebido pelo autêntico banho, por conta das
baianas derramarem os seus potes de água sobre a sua cabeça, era o ex-Deputado
Estadual, ex-Deputado Federal, ex-Senador, ex-Prefeito de Salvador,
ex-Governador da Bahia, ex-Presidente da Eletrobrás, ex-Ministro das Comunicações
e ex-Presidente do Senado: ANTONIO CARLOS MAGALHÃES.
A tradição da “Fitinha
do Senhor do Bonfim”
Uma outra tradição muito conhecida e praticada é a de presentear amigos ou familiares com a tradicional “fitinha do Senhor do Bonfim”. Na verdade, constitui-se como um amuleto ornado em verdadeira devoção a colocação no pulso de quem se deseja contemplar. Sempre com a observação de que, cada fita, deve conter três nós, os quais simbolizam, cada um, o pedido feito silenciosamente ao Senhor do Bonfim. Em regra são três nós e a fita deve ser amarrada no pulso da pessoa a qual se destina. Diz a lenda de que os pedidos serão atendidos logo que a fita se romper.
Estima-se que é um costume que
demanda ao ano de 1809, na condição de uma ideia de Manoel Antônio da Silva
Servo, tesoureiro da devoção, que buscava uma condição para conseguir aumentar
a arrecadação dos recursos.
Na sua origem, as fitinhas eram denominadas de “medida” e, na mesma origem, tinham a precisa dimensão do braço direito do Senhor do Bonfim. Razão pela qual as fitinhas que foram produzidas no século XIX tinham, em verdade, 50 centímetros e era confeccionadas em algodão, bem assim utilizadas de formas diversas, como decoração, proteção, marcador de livros, etc.
Nos dias atuais, as fitinhas são
confeccionadas de poliéster, em geral, no tamanho bem menor. Elas possuem uma
relação intensa com o sincretismo religioso uma vez que as suas cores devem
estar relacionadas com orixás.
Uma observação: a tradição maior das fitinhas, hoje, é prendê-las nas grades que circundam a igreja. As quais ficam, literalmente cobertas pelas milhares que são ali apostas.
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